sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010


CUMPLICIDADE


Num desses enormes corredores azulejados, que parecem um circuito de maratona para aqueles homens e mulheres vestidos de branco, que correm sempre desesperadamente, o mundo parou para mim. Acho que os ponteiros do relógio queriam se estatuar para que cada instante fosse eternizado em nossa memória.
Eu, careca e colorido. Ela, careca e pálida. Eu, efusivo e sorridente. Ela, ensimesmada e triste. Eu, carregado de trecos. Ela, também. Uma diferença: meus trecos eram brinquedos, os dela equipo e scalp. Eu, livre. Ela, limitada.
Sentei ao seu lado e com meus trecos tentei uma primeira comunicação. Em vão. Sequer olhou para minha avantajada tesoura laranja, que intentava cortar sua roupa monocrômica.
Tudo parecia sem vida naquela vida.
Tive então uma ideia de jerico. Ou seria de gênio? Tirei meu chapéu de pontas tricolores e com meu discreto pente verde-limão comecei a pentear cuidadosamente os únicos três fios de cabelo que ainda sobreviviam na imensa clareira que eu escondia com meus adereços superiores.
De repente, ela olhou para mim. Seus olhos arregalados pareciam não acreditar no que estava vendo: eu também era careca! Essa constatação parecida ter trazido a ela cor, vida e, mais que isso, sorriso. Seus olhos brilhavam e refletiam sede: de brincar, de sorrir, de viver sendo feliz... de ser feliz vivendo. Nesse pequeno detalhe, nos encontramos e durante longos dois minutos criamos nosso mundo, escrevemos nossa história e eternizamos nossa felicidade.
Deixei-a com meu chapéu tricolor e com multicores na sua criancice antes tão cinza. Deixei-a com a sensação inocente de que a alegria que lhe dei é eterna, porém mais eterna é minha certeza de que a essência do palhaço é essa: ressuscitar almas, eternizando a alegria.

domingo, 7 de fevereiro de 2010


MINHA CARTA DE CONSAGRAÇÃO


“Senhor meu, Amado meu, como a Ti se eleverá o homem se Tu não o levantares? Quem se libertará da imperfeição, do mal agir se Tu não o ergues com tua mão?” Compadecendo-te de mim, ergueste-me e me escolheste como esposa, dando-me por dote o céu, a terra, o mar, os anjos, os santos e a teu Filho que é todo para mim. Por isso, recebe como gratidão, por Teu amor e misericórdia, essa alma que deseja consumir-se por amor a Ti e a Teu Reino, assim comprometendo-se:
Eu, Viviane Frutuoso de Oliveira, venho de livre vontade consagrar-me a Deus, na realidade de Comunidade de Aliança da Vocação Recado, abraçando os conselhos de obediência, pobreza e castidade evangélica, segundo as regras e normas de vida desse carisma. Peço a intercessão de Nossa Senhora das Graças, a quem consagrei meu sim, e de Santa Teresinha, minha amiga íntima que tem me ensinado a descobrir minha via de santidade, para ser fiel a esse compromisso.
Agradeço aos meus formadores, que regaram minha vocação com sangue, suor e lágrimas; à minha psicoterapeuta Rebeca, que tem ajudado na cura da minha miopia, às minhas amigas Danusa, Angélica e Regina; às minhas irmãs e companheiras de caminhada Cleci e Luciana: vocês se consagram comigo; aos meus irmãos noviços II e a Cláudia Cardoso, por sua dança que me fez enxergar nessa vocação minha escolha de vida.
De modo especial, agradeço a Kilvânia, que me apresentou essa vocação, tecendo comigo esse sonho de consagração, e a Valdilene Senna que me escolheu, me formou, leu minha história com olhos verdes, ajudando-me a reescrevê-la e, hoje, se consagra comigo pelo amor que deixou em mim.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010



Oração da Alma Enamorada


Senhor Deus, amado meu!
se ainda Te recordas dos meus pecados,
para não fazeres o que ando pedindo faz neles,
Deus meu, a Tua vontade,
pois é o que eu mais quero,
e exerce neles a Tua bondade e misericórdia
e serás neles conhecido;
e, se esperas por obras minhas,
para, por meio delas, me concederes o que Te rogo,
dá-mas Tu, e opera-as Tu por mim,
assim como as penas que quiseres aceitar e faça-se.




Mas se pelas minhas obras não esperas,porque esperas,
Clementíssimo Senhor Meu?
Porque tardas?
Porque, se, enfim, há-de ser graça e misericórdia
o que em Teu filho Te peço,
toma os meus parcos haveres pois os queres,
e dá-me este bem, pois que Tu também o queres.




Quem se poderá libertar dos modos e termos baixos
se não o levantas Tu a Ti em pureza de amor, Deus meu?
Como se elevará a Ti o homem gerado e criado em baixezas,
se Tu o não levantares, Senhor, com a mão com que o fizeste?
Não me tirarás, Deus meu,
o que uma vez me deste em Teu único Filho Jesus Cristo,
em quem me deste tudo quanto quero;
por isso folgarei pois não tardarás,
se eu confiar.


Com que dilações esperas,
se desde já podes amar a Deus em teu coração?
O céu é meu e minha a terra;
minhas são as gentes,
os justos são meus e meus os pecadores,
os anjos são meus e a Mãe de Deus,
e todas as coisas são minhas;
e o próprio Deus é meu e para mim,
porque Cristo é meu e todo para mim.


Que pedes pois e buscas, alma minha?
Tudo isto é teu e tudo para ti.


Não te rebaixes,
nem atentes nas migalhas caídas da mesa de teu Pai;
sai de ti e gloria-te da tua glória;
esconde-te nela e goza, e alcançarás o que pede o teu coração.




S. João da Cruz